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A Questão do Ártico e a Nova Guerra Fria


Desconsiderando o advento dos negacionistas, o aquecimento global é, talvez, o problema mais notável do mundo contemporâneo. A elevação da temperatura do planeta configura, em suas representações midiáticas, uma realidade longínqua, envolta de hostilidades entre pessoas, e principalmente, entre nações. Porém, tal realidade consagrada em sagas de filmes, séries, livros, jogos e etc, não parece mais se encontrar tão longinquamente, como pode ser visto na recente disputa pelo controle das reservas energéticas do Ártico. Embora haja uma corrente que classifica os fenômenos climatológicos recentes como dentro da normalidade e/ou atribui um caráter cíclico a essas mudanças (corrente da qual o professor de climatologia da Universidade de São Paulo, Ricardo Felício, é um dos representantes), pesquisas recentes apontam uma alarmante elevação da temperatura global, tendo a Organização Meteorológica Mundial (principal órgão de pesquisa climatológica da ONU) classificado o ano de 2014 como o mais quente da história. Dentre os resultados desse aumento, destaca-se a elevação dobrada da temperatura na região do polo norte em relação às outras regiões do globo terrestre, de acordo com o relatório anual do Artic Report Card, grupo californiano formado por cientistas especializados no assunto. Sendo assim, tanto as constatações dos grupos de pesquisa quanto os esforços dos organismos internacionais em reduzir os efeitos do aquecimento global (manifestados, sobretudo, através das conferências ambientais como a Rio-92 e a COP-21, marcada para dezembro de 2015, assim como na firmação de acordos antiproliferativos como o Protocolo de Kyoto), deixam evidente: O aquecimento global é uma questão real e pragmática do século XXI e, como tal, deve ser tratada com seriedade pelas nações soberanas. Todavia, se engana quem pensa que o interesse diplomático dessas nações é pautado exclusivamente no aspecto ambiental. As regiões polares, acima de tudo, são vastas e maciças reservas energéticas. Em grandes profundidades e graças às condições de temperatura e pressão favoráveis, a região do Ártico ostenta extensas reservas de petróleo e gás natural, principais matrizes energéticas na contemporaneidade. Segundo Charles Ebinger, do Instituto Brookings, no próximo verão nortenho cogita-se que a oferta desses seja de 27 bilhões de barris de petróleo e de 3,7 trilhões de metros cúbicos de gás natural. Eis que surge a questão: "Quem é o dono de toda essa riqueza natural?". A região pode ser vista como propriedade de 5 nações: Dinamarca, Estados Unidos, Rússia, Noruega e Canadá. As questões referentes ao trânsito são de total liberdade, as águas do Ártico podem ser cortadas por qualquer pessoa ou entidade. Porém, o direito de explorar economicamente deve ser ratificado pela Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês, como normalmente é reconhecida), a qual só concedeu os direitos às nações estritamente ligadas à costa Antártida (no caso dos EUA, através do Alasca, no caso da Dinamarca, através da Groenlândia), tendo essas nações um prazo de 10 anos para reivindicar a extensão da sua plataforma territorial polar, caso da Rússia, uma das favoritas à dominação da região. Apesar do vínculo territorial, os EUA se abstiveram da ratificação, e, portanto, não têm direito legítimo de explorar economicamente os recursos naturais árticos. Insatisfeita com os termos estabelecidos pela UNCLOS, o que é alvo de debates constantes entre os deputados yankees, a diplomacia estadunidense trava uma barganha incessante com os organismos internacionais por modificações no acordo, abrindo espaço para outras potências econômicas que visam a exploração dos recursos, destaque para a China, aliada de Moscou ganhando cada vez mais espaço nessa empreitada. Nesse contexto, especialistas como Ruth Fremsom do The New York Times apontam o Ártico como rota de colisão do que se cogita ser uma nova Guerra Fria. Agora, com o adendo de uma colossal aliança sino-russa. As sanções direcionadas à Russia, provenientes do ocidente como produto da rejeição à postura russa em relação aos conflitos na Criméia e na Ucrânia, serviram de impulso ao estreitamento de laços entre o Kremlim, detentor de áreas de exploração no polo norte e com negociações avançadas para a homologação da expansão do seu domínio sobre as águas geladas nortenhas, e Xangai, detentora de consistência e estabilidade econômica, assim como da tecnologia para a custosa e complexa extração de recursos energéticos, sendo a condição propícia chinesa e o caráter vinculativo de junção de forças entre as duas nações muito bem pontuado no artigo "A China Também Olha Para o Ártico", de Alexandre Pereira da Silva. Considerando a ótica de Guerra Fria, observa-se uma bipolaridade marcada por dois blocos hegemônicos pelo controle do Ártico. O Estadunidense largando atrás, estando, nas palavras do próprio chefe da Guarda Costeira, Paul Zukunft, com "falta de capacidade de sustentar qualquer presença significativa no Ártico", relatando os infinitos debates sobre a questão no Congresso e as tensões com a UNCLOS. Do outro lado, o sino-russo, com uma estratégia mutualística de ocupação da região, ampliando seu plantel energético e demonstrando sua força militar ao instalar bases no território ocupado (algo já anunciado essa semana pelo Ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu), exibindo a preponderância bélica dos dois países. Se o gélido conflito do século XX foi marcado pelas corridas armamentista e espacial, o do século XXI tem como marca a corrida pelo polo norte.​

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